segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Crônica do dia

Sentada, no ônibus lotado, com o joelho latejando e suando em bicas, me deparo com uma cena inusitada para uma terra de machões, desprovidos de sentimentos, em que qualquer ato de gentileza, ou expressão de emoção, é tido como motivo de chacota: um homem do tipo machão ogro, (daqueles de quem não se espera nada, além de atos como cuspir na rua e coçar as partes intimas em público) em pé no ônibus, segurando apenas com uma mão e com a outra segurando um livro.


Mas o fato inusitado não era o machão com um livro na mão, mas os olhos do dito cujo. Seus olhos estavam marejados. Ele não apenas segurava o livro, mas o lia, em pé, com o ônibus em movimento.

Ele usava uma blusa preta, aquelas de banda de metal, que os caras usam pra mostrar que curtem rock e são ‘macho pra caramba’, corrente prata no pescoço, boné e óculos escuro apoiado na aba do boné. Toda uma postura de mal encarado e pronto pra ‘descer o braço’ no primeiro que olhasse feio, mas em suas mãos estava “A culpa é das estrelas”, de John Green.

Não foi o cara que me chamou a atenção. Cansada e sentindo dor, meus olhos vagavam pelo ônibus procurando algo pra me distrair, então, vi aquela capa azul com nuvens preta e branca. Sabe aquele ditado que rola entre os leitores de que um livro indica um leitor? Foi o que pensei na hora. Subi o olhar e vi o cara.

Abri um sorrisão. Porque na hora ele desviava o olhar do livro. Olhos cheios d’água, rosto vermelho. Ele desviava o olhar como alguém que não quer chorar em público. Respirava fundo, voltava a ler e olhava pela janela. Passou um tempo olhando pela janela. Depois voltou a ler. Acho que, controlada as emoções, teve certeza que não choraria em público e pode voltar a ler.

Foi uma cena que me fez rir e me surpreendeu. Fez valer a máxima: “Os brutos também amam”.

Kamila Mendes



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